top of page

A importância de um bom Exame do Estado Mental

Afinal, como o médico psiquiatra avalia o estado mental de seus pacientes? Em um primeiro momento, pode parecer até mesmo mística essa arte peculiar de examinar a mente de um indivíduo. Os estudantes de medicina despendem horas e horas estudando a semiologia na tentativa de dominar a grande arte da propedêutica médica. Pode acontecer, no entanto, de valorizarem demais as queixas somáticas na anamnese e os achados do exame físico, deixando para um segundo plano os aspectos psicológicos da avaliação. Na hora de colocar no papel, então, o desafio pode parecer ainda maior. A desorganização das informações pode ser um problema e muitas impressões importantes podem acabar sendo omitidas. Até mesmo entre profissionais experientes o exame do estado mental não costuma apresentar uma sequência coerente e constante, o que resulta no risco de descrições incompletas, comprometendo o seguimento do paciente.


Uma forma de resolver esse problema é organizarmos as funções mentais à semelhança, por exemplo, de um glomérulo renal. Como um glomérulo que possui uma arteríola aferente (que traz o sangue) e uma arteríola eferente (que leva o sangue), bem como um centro funcional de filtração, podemos considerar o sistema mental como se fosse formado por uma porção aferente (que traz os estímulos), um centro funcional (que processa os estímulos) e uma porção eferente (que atua os estímulos). Esse simples esquema, por si só, pode facilitar muito a organização de nossas impressões perante o paciente, não nos restringindo aos elementos separados, mas focando na relação funcional que existe entre eles.

Baseado no que conhecemos atualmente sobre a mente, poderíamos dividir o exame do estado mental em quatro partes fundamentais, compostas pelos seguintes itens:


1) Nível de Consciência: plena, torpor ou coma.

2) Eferência: linguagem (fluxo, tom, coerência) e psicomotricidade.

3) Conteúdo de Consciência, composto por:

3.1 Cognição: orientação, atenção, memórias.

3.2 Afetos: humor, afeto, associação ideoafetiva e modulação afetiva.

3.3 Pensamentos: capacidade intelectual, logicidade, insight, juízo crítico da realidade.

4) Aferência: presença ou ausência de alterações da sensopercepção.


Esquematicamente, podemos organizar da seguinte forma:



No primeiro item, "Nível de Consciência", nós, médicos, avaliamos o grau de despertar do paciente, caracterizando-o como “pleno”, quando o indivíduo se apresenta completamente desperto, “torporoso” quando se apresenta com algum nível de rebaixamento e “coma”, em caso de rebaixamento total.


No segundo item, avaliamos a "Eferência", formada pelas funções que emergem do sistema mental, permitindo a comunicação ou atuação do paciente. Destarte, a linguagem do paciente deve ser avaliada quanto a alterações no fluxo (rapidez de produção da fala), na intensidade (volume) e na coerência do discurso (concordância entre as palavras, fazendo-se inteligível, mas não necessariamente lógico). Também avaliamos a psicomotricidade, caracterizada por uma análise cuidadosa da movimentação do paciente, atentando especialmente para a presença de inquietação ou lentificação.


No terceiro item, avaliamos o "Conteúdo da Consciência", o qual será obtido principalmente através da linguagem. Dessa forma, perguntamos ao paciente informações sobre sua história de vida, no sentido de avaliar sumariamente as memórias (remota, recente, imediata), a orientação espacial e temporal (se o paciente sabe onde está e se é capaz de se localizar no tempo), bem como sua capacidade de focar e manter a atenção em determinado assunto. Avaliamos também o humor do paciente (como ele está se sentindo) e seu afeto (como ele nos parece estar se sentindo), e também se esse afeto é coerente com o conteúdo do diálogo (se fica triste com assuntos pesarosos, se nos parece feliz ao contar acontecimentos agradáveis), além da modulação (há pacientes, por exemplo, que terão dificuldade em modular o afeto, mantendo-se tristes mesmo perante assuntos de conteúdo jubiloso). Por fim, caracterizamos o pensamento do indivíduo, avaliando se o mesmo apresenta capacidade intelectual preservada (sumariamente, segundo grau de instrução), se está lógico (ou seja, se não apresenta delírios ou ideias que não correspondem à realidade), se possui condições de compreender que sofre de determinada doença (insight) e, por fim, se está apto a tomar decisões a partir de uma avaliação critica da realidade (juízo crítico da realidade, que em geral estará preservado em um exame em que todos os demais itens estejam normais).


Por fim, tentamos avaliar, seja através do que o paciente nos fala ou através do que ele nos comunica com seus atos, se o mesmo apresenta, no momento do exame médico, algum tipo de alteração na sensopercepção, como ilusões (interpretações confusas de objetos reais) ou alucinações (criação de imagens ou outras sensações sem qualquer estímulo real).





Para aqueles que desejam estudar com maiores detalhes cada um dos itens do referido exame, sugiro o artigo do Professor Zuardi, de 1996, citado abaixo.


É de fundamental importância compreender que a organização por mim proposta segue uma ordem de sentido, na medida em que um Nível de Consciência prejudicado comprometerá todo o restante do exame. Por sua vez, Eferências alteradas comprometerão de forma significativa o acesso ao Conteúdo da Consciência, uma vez que é a linguagem e a psicomotricidade que nos permitem acessar o pensamento do paciente. Por fim, alterações no conteúdo de consciência influenciarão nossa avaliação de suas Aferências.


Em termos de semiologia médica, organização é fundamental. Avaliando os itens dessa forma, o profissional de saúde tem maiores chances de não se esquecer de examinar e descrever as diversas características do exame do estado mental, uniformizando as evoluções e permitindo uma visão mais funcional da mente do paciente, contribuindo, em suma, para seu tratamento.


REFERÊNCIA:


ZUARDI, Antonio Waldo; LOUREIRO, Sonia Regina. SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA. Medicina (Ribeirao Preto. Online), Brasil, v. 29, n. 1, p. 44-53, mar. 1996. ISSN 2176-7262. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/711/723>. Acesso em: 02 Out. 2014. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v29i1p44-53.

0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page