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Sobre a Teoria dos Prazeres

O que lhe causa prazer? Quais são as coisas que lhe geram sensações prazerosas e acabam, por isso, definindo os objetivos de sua vida? Há coisas que lhe causavam prazer no passado e agora não causam mais? O que você colocou no lugar dos prazeres que se foram?


Pensemos em uma “Teoria dos Prazeres”.


Imaginemos que somos movidos pela busca por prazeres, e que obter determinados prazeres permite que vivamos com determinado nível de satisfação. Imaginemos ainda que os prazeres são finitos, e que não é humanamente possível desfrutar de todos os prazeres existentes ao mesmo tempo: temos que fazer escolhas e priorizar alguns.


Os prazeres obviamente variam de pessoa para pessoa. Há pessoas que prezam por algumas coisas, há pessoas que prezam por outras coisas. Por exemplo, pode haver alguém que prefira o prazer de comer um doce, uma fatia de bolo ou mesmo o bolo de chocolate inteiro. Pode haver outro que prefira o prazer de fazer sexo três vezes na semana ou três vezes no mês ou mesmo três vezes ao dia. Outro, ainda, pode concentrar boa parte do prazer de sua vida no ato de desfrutar de boas músicas.


Nesse cenário imaginário, começa a se delimitar um problema, já que um desequilíbrio na balança dos prazeres tende a resultar em sofrimento. Imaginemos que alguém se depare, durante sua busca por prazeres, com algumas substâncias químicas, como álcool, nicotina, benzodiazepínicos e cocaína. E que mesmo sofrendo consequências desprazerosas, esse alguém continue perseguindo esses mesmos prazeres. É quando nos perguntamos: por que alguém continuaria fazendo isso?


Ora, porque essas substâncias representam formas efetivas de se obter prazer para alguém que não dispõe de outras formas mais saudáveis de obter prazer. Causas possíveis para essa conjuntura? Podemos imaginar que essa sociedade seja caracterizada por graves desigualdades sociais e econômicas, por exemplo. Ou que o indivíduo sofreu traumas no decorrer do desenvolvimento do caráter que resultaram em fragilidade de sua personalidade, já que não teve acesso a recursos de saúde mental que poderiam ter lhe servido de apoio.


De uma forma ou de outra, como podemos fazer para que esse alguém reequilibre os prazeres em sua balança? Simplesmente retirando tais prazeres, por vezes únicos, de suas vidas? Nesse mesmo cenário, vive um outro alguém, idoso, viúvo, sem filhos, sem família e sem amigos. Ele sofre com problemas de uma obesidade mórbida. E em uma rara consulta com o médico do postinho, ele afirma que seu único prazer na vida é comer.


Se o médico informa claramente aos dois pacientes sobre todos os riscos associados ao uso de drogas e à obesidade mórbida, por que eles continuam seguindo com os mesmos comportamentos?


Imaginemos que é possível impedir que o homem dependente de álcool entre em contato com bebidas alcoólicas, por exemplo, isolando-o em uma casa em que não haja drogas. É também possível reduzir drasticamente a quantidade de comida oferecida para a senhora solitária, definindo um outro alguém para preparar seus alimentos. Estamos sendo hipoteticamente drásticos, claro, mas com a melhor das intenções.


Três meses depois, ambos desenvolvem quadros graves de depressão. O homem chega a tentar suicídio, enquanto a mulher perde o apetite completamente, não saindo mais da cama. Ficamos tranquilos, no entanto, porque fomos capazes de resolver os problemas dessas duas pessoas, não?


Penso que não.


Em casos semelhantes, se não forem instituídas medidas adicionais, o indivíduo deprimirá. Deprimirá pois dele será retirado seu maior e por vezes único prazer, de forma que não sobre prazer algum. Nos cenários em que focamos apenas em retirar algo que cause prazer a alguém, sem o cuidado de oferecer outros prazeres mais saudáveis no lugar, fatalmente falharemos.


Parece razoável considerar que, para a Teoria dos Prazeres, um grande prazer não pode ser facilmente e eficientemente suprimido sem a introdução de outro. Qualquer desbalanço não se sustentará. Assim, o tratamento de alguém que tem problemas devido ao uso de substâncias psicoativas não será completo se, além da abstinência de determinada substância, a ele não forem oferecidas outras formas de se obter prazer, prazeres menos deletérios e mais saudáveis. Da mesma forma, o tratamento da senhora obesa não será completo se a ela, após a introdução de uma boa dieta, não forem introduzidos outros prazeres.


No campo das ideias, as possibilidades de prazeres a serem inseridos são infinitas. Uma atividade física em grupo, uma oportunidade de trabalho digno, uma psicoterapia, sessões regulares de cinema, de massagem, uma religiosidade, a possibilidade de prosseguir nos estudos, um lar decente onde morar, sexo regular com alguém de que se gosta, um novo amor, uma nova paixão. No mundo real, no entanto, as possibilidades são escassas.


O que temos para oferecer a alguém que, devido ao uso de cocaína, perdeu o apoio de toda a sua família, perdeu sua antiga moradia, foi abandonado pelo primeiro amor, perdeu o apreço dos filhos, o respeito e a dignidade e passou à condição de andarilho, sobrevivendo às custas de migalhas? O que temos para oferecer à senhora solitária, sem família, sem suporte e completamente esquecida pela sociedade, para que ela consiga se alimentar melhor?


Na atual realidade, o que temos feito? Patrocinamos uma bilionária guerra às drogas, cujo fracasso se evidencia todos os dias, na morte de milhares de brasileiros. E oferecemos um comprimido que muito provavelmente apenas gerará mais efeitos colaterais indesejáveis.


Por ora não tenho melhor resposta. E é apenas uma teoria. Motivo pelo qual sugiro que pensemos.

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